Tragou, mas esqueceu.


Agora eu tinha um pedaço teu entre o meu punho e as extremidades dos dedos, pai. Olhava-te em uma pequena porção de tabaco. Seco, picado. Ali, enrolado em papel fino, frágil. Encaixei-te dentre os meus, medrosos e trêmulos, lábios. A cautela fazia-se presente na minha alma. Acendi-te no teu término. Tu, findando aos poucos em fumaça fedorenta, cheiravas covarde, podre. A emanação que era transmitida pelo ar, ofendia-me o frágil, e até inocente, olfato. Ah! Mas se tu soubesses o quanto sempre odiei este teu cheiro... Se entendesses o valor do meu por favor, quiçá eu não estaria arruinando o espírito montanha a baixo, aqui, com um pedaço teu entre os dentes, como quem tem muito p’ra falar, mas não se tem nenhum ouvinte. No mesmo instante em que pensei em mim, te traguei pela primeira vez. Cuspi, tossi. Teu gosto é ruim, amargo. Descia rasgando a delicada garganta. Canivetes de fumaça invadindo todo o meu corpo. Mas eu não iria malgastar a verdade, então te tragava com fugacidade violenta, dramática. Tragava o teu desprezo por mim. Eu, pedaço de tua alma, gotas de teu sangue, traços teus desenhados em minha face, trocada e esquecida inúmeras vezes por uma droga lícita. Tragava minhas lágrimas clamando por compaixão e atenção tua. Esperando que visses em mim uma esperança para o vício. Tragava minhas cartas, que por vergonha de falar na cara dura, no olhar sério, escrevia-as rogando por um ponto final de teu descontrole. Eu tragava a preocupação por tua saúde, que me perseguia em tempo integral. Tragava-me o coração dilacerado ao ver campanhas na televisão contra o fumo ou a verdade do mal que o próprio causava ao débil, e masoquista, ser humano. Tragava o seu desleixo, o seu esquecimento, a solidão que me causavas. Tragava a minha infância sendo aos poucos fragmentada. Eu tinha de crescer rápido p’ra entender esta tua paixão por algo de odor tão forte, sujo. Que, por incontáveis vezes, fora mais importante que teu próprio fruto. Eu também tragava, ali, o meu amor, maior pedaço de mim, que preteriste por um mísero cigarro. O meu cofre de criança singela que quebrei a fim de dar-te dinheiro, quando não possuías, para alimentar o mau costume, eu tragava. Tragava as fatigadas orações para um Papai-do-céu, para que Ele cuidasse de ti, já que eu não podia. Tragava os insultos impiedosos de colegas babacas sobre pessoas que tem costume de fumar, como também, as defesas árduas para defendê-las - pois dentre elas havia o meu pai- mesmo sem razão. Ávida eu sempre fui, mas no fundo era o desejo de teu bem estar que me fazia tão sôfrega. Tragava a ti, tragava a mamãe, tragava o meu irmão e as brigas que nós, a tua família, fazíamos para que largasse o tal Carlton - ou qualquer marca n'um imenso ardor desesperado. Depois de tragar agradeci a um Deus por ter ouvido e atendido minhas orações, por que depois de tantos anos de fumo, teus pulmões ainda estavam perfeitos. Depois de tragar dei graças a Deus, rezei nove Ave Marias e prometi ir à missa todos os domingos, ser um pouco mais do Senhor, por existir o estudo da genética e a própria afirmar que se teus genes não são propícios à doenças genéticas, nunca as terá. Depois de tragar abracei esta sorte, como quem tem a vida entre os braços. Mesmo que sendo só uma suposição, mas tudo dava a crer que doenças não seriam possíveis e tu poderias abusar até que a alma canse de brincar de paixão. Depois de tragar tive a certeza de ter um pedaço teu em minha alma, correndo entre minhas veias e bombeando o meu coração: gostei de te despender. É até gostosa a sensação que uma porção de tabaco proporciona.
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Suspiro de mim


Uma estrada, sozinha, vagando na fumaça de meus pensamentos. O inverno chegava, devagarzinho como quem não quer nada, dentre as dolorosas e pesadas gotas de chuva. Ali, derramando o céu, guardando o sol só para si, culminando a solidão de minh’alma, como as mãos que confortam e são as mesmas que apedrejam. Ah! Mas parte de mim... Parte de mim deixava-se fugir, deixava-se resvalar como a chuva que escorria sobre meu corpo de encontro ao chão. Molhava a pele seca, sem vida. O frio ressuscitava, estremecia o espírito desfalecido. A água limpava a mente, esclarecia a minha consciência em relação aos meus defeitos e tirava-me dos olhos o véu do orgulho, capaz de impedir que os perceba e confesse a mim mesma. Surpreendo-me com o que não esqueci. Não o pôster da Helena Bonham Carter. Este esqueço todos os dias, por isso coitado é o Rayan que tem que fingir-se a tristeza n’um olhar de olá. “Trago seu pôster amanhã!”, eu o respondo n’uma promessa vazia de quem tem a cabeça oca. Mas do menino eu não esquecia. Quiçá... Masoquismo! Meu pensamento findou n’um lamento. Até hoje o ingrato inconsciente imprime no coração o meu foi mal. Talvez fosse isso. Desde os tempos de outrora, a alma estava fatigada de sentir-se culpada ou estar na pele de Edward e possuir nas mãos, armas. Ferir mesmo quando, e quem, não se quer. O menino era puro demais para ser ferido. Foi a minha mais suja covardia. Descrevê-lo é um atalho árduo. É como dançar sem música. Nunca fez e nunca fará esforço para algo acontecer. Feito ou mal-feito, se acontecia naturalmente. Era zeloso p’ra qualquer alma olhá-lo dar valor a mais pura simplicidade da vida. O vento fazia sentido e todas as flores pareciam ter aromas. A pressa nunca fez tanto sentido em ser inimiga da perfeição. Tempo a gente tinha, nos minutos se fazia a eternidade. A chuva era o choro do céu quando o próprio estava cansado demais. Sentíamos suas lágrimas sobre nós e dançávamos ali regozijando-nos por não ser nossa a tristeza, a exaustão. Antes de você, não chovia assim, forte, deste jeito. O meio-dia não parecia noite e o sol não tinha medo de se fazer presente entre as nuvens pesadas. O céu cinza, agora, reflete a cor de minha alma e só então percebo que não chora por ele. Está a chorar por mim. São as lágrimas que não posso derramar. Então eu fico aqui esperando a chuva, tristeza molhada, desanuviar dentro de mim com um sorriso seu.
Desculpa-me se só agora me dei conta da cor que tem o meu dia. Já teve a cor da sinfonia, das flores ao redor, cor da astrologia, da água que deu enlace. Cor da sua camisa quando, você, sorrindo olhou para mim.
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Menininha de lá


Ainda tinha a capacidade de apresentar a janelinha entre os genuínos lábios. Vê-la sorrir era encantador, era como ter as portas da alma abertas para o sol. Brincava na rua, gritava, esperneava. Não me irritava os ouvidos. Ela podia. A garota podia tudo. Seu sorriso, um candelabro. Ali não se apagava nunca as chamas da pureza. Nem mesmo quando suas lágrimas ousavam molhá-las. “O que houve, minha pequena?”, perguntei um dia quando a menina chorava e derretia a minha alma.

- Meu gatinho morreu e já está virando noite. Eu sinto medo do escuro, moça. Mas com o meu gatinho, Pipoca, eu não sentia. Estava segura. Ele espantava os monstros.

- Mas, meu anjo, Pipoca ainda está com você.

- Como?

- Quando sentir medo vá até a janela. Sabe aqueles pontinhos brilhantes que vemos no céu?

- Sim. Minha mãezinha disse que são minha vovó, meu vô, minha dindinha, montão de gente...

- Sério? Que bom que já sabe disso. Seu Pipoca, agora, também está ali. Do céu cuidará de você. E sempre iluminará suas noites. Nenhum monstro ousará ficar perto de você.

- Você jura, moça?

- Juro. – digo beijando o entrelaço de meus dedos.

Mesmo triste, a menina não deixava de me iluminar, seu sorriso não se apagava. As flores não se entristeciam, não murchavam. O inverno parecia não chegar, o seco do outono também. Era sempre verão. Sempre aquecedor. Os sonhos se faziam infinitos. A menininha tinha a imagem leve, livre. Tinha uma alma de peito aberto. Esbanjava a graça que lhe era dada. P’ra minha voz, um alento. Tinha o espírito puro, de saber dar e receber o amor verdadeiro. Tinha a alma da raposa, amiga do Pequeno Príncipe, e jurava ser eternamente responsável por quem cativava. Devia ter menos de um metro – exagero meu! Tinha um amigo imaginário, um primeiro amor e dizia-se enamorada da dança. A garota tinha um ar de menina-mulher. Nas semelhanças de nossos traços, encontrei as diferenças. Nas suas, poucas já derramadas, lágrimas encontro algo de mim. A garota tinha no peito um pedaço meu. Mas tinha um tal de pintalainhasólamingola que só ela tinha. Um bem-me-quer-mal-me-quer metricamente calculado para acabar bem só dela.
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E nós? Pergunte ao tempo!


12 de outubro de 2011
E então eu o fitei sentado n’uma mesa, seus ombros jogados ao léu e entre os lábios, traçados pelos deuses, o cigarro que o jovem despendia com soberba. E se o mundo gira rápido, amor, como girou naquele instante! As nuvens pareciam resvalar-se sobre o céu com sede fugaz. Quando os minutos pareceram meros segundos, foi então que percebi a merda estar feita. Havia, então, um cigarro entre meus dedos.
- Você tem fogo? – perguntei com uma voz que não me pertencia. Ele riu. Pareceu que a noite virara dia.

12 de novembro de 2011
Ele só pode ser o Lúcifer! Julguei-o anjo na primeira vez em que o vi. Seria o Anjo Rafael? O tal anjo protetor do signo de gêmeos... Como será ele com asas? Cabelos encaracolados não tem... Além do mais, pode sentir o meu toque. Anjos não poderiam sentir-me tocar sua pele, não é?! Deixa para lá. Este rapaz é o capeta, o cão, o meu carma ou quiçá a caixa de pandora presa n’um corpo! Por que consigo ver-me atrás dos seus olhos e até senti-lo na alma sem mesmo tocá-lo? Magia negra, conclui-se.

13 de novembro de 2011
- Boa noite!
- Oi.
- Estava pensando em você, amor...
- (Miserável! Só me liga agora? Não vê que eu estava preocupada? O que você tem na cabeça? Chifres?! E também não me diga que possui um rabo afiado e um tridente entre as mãos...) É... Também estava.
- Liguei por que estou louco por um abraço seu. Sei que nos vemos apenas em finais de semana, mas já não aguento esperar... Posso ir vê-la?
- Pode, meu amor, pode.

12 de dezembro de 2011
Agora vou lhe escrever. Não, eu não vou. Escrevo a Helena, mas merda, para dizer o quê? Eu poderia escrever para eu mesma, começar um diário ou então um romance. Qualquer coisa que fale sobre minha história de amor, que a faça extraordinária, estilo de corte na vida. Talvez até, em meio à sensação de tragédia, desespero, desolação, ter a alma desfalecida. Lucas, Lucas, Lucas, mas eu te amo, Lucas. Não seria capaz de te desenhar em palavras, nem mesmo falar o que sinto, mas não me lembro da mínima coisa que esteja errado nele. Nem sequer uma palavra, um gesto, nem mesmo seus olhos tão bonitos, um drama qualquer ou a profissão que tem. Lembro-me apenas da ternura dos seus braços. Então eu vou lhe escrever, mas só depois de dar comida ao gato, tomar banho e ler um pouco de Triste Fim de Policarpo Quaresma.
O melhor é escrever a Lucas. Se você não corta a raiz do pensamento, deve vivê-lo um pouco, principalmente se forem pensamentos de amor. Se não o fizer, acabará louca.
“Eu te amo, Lucas, com toda minha ternura. Tu foste o garoto mais doce de minha vida, que é curta, mas isso não interessa. Eu te amo por que gostava da sensação de ser alguém quando me olhava na alma, por que és anarquista e ouvir-te falar sobre isto era como estar no céu. Eu te amo por que lias para mim quando eu estava doente demais para isso e por que nunca foste negligente. Eu te amo por que em teus braços eu fazia meu maior abrigo e por que o tempo com você era infinito. Eu te amo por que você me am...
...

12 de janeiro de 2012
Eu estava ainda longe e Lucas vinha correndo em minha direção. Os seus olhos me enxergavam no caminho quando arrependida voltei para ele. Fitava-me com compaixão e seu corpo tinha sede do meu. Abraçava-me com força, como quem segura a razão da sua vida entre os braços. Então eu sorria. O que mais eu poderia fazer?
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Na pele de Johnny


Edward se olhou n’um espelho
De vidro temerário e velho
Assustou-se com o que viu
Parecia que a alma sumiu
N’uma imagem gelada
E no seu peito, a pontada
De uma verdade que se revelava
Sobre as mãos que lhe faltava
Mas ao invés do vazio, haviam armas
Já não mais sabia o que tinha
Nem mesmo se era uma linha
Da tristeza que imprimia no seu caminho
Duro de caminhar p’ra quem se era sozinho
Então viu-se nas palavras que faziam graça
Que no seu peito eram a desgraça
E zombavam do melhor ser
Que as pessoas podiam conhecer
Edward era um homem bom
Logo fazia das armas o seu dom
Possuía a alma lisa
Via a vida passar como a brisa
Leve, morna, sem pressa
E nos olhos, o amor expressa
Que por Winona no gelo confessa
E sofria
Tinha a alma mais pura que se podia
Mas feria
Até mesmo quem não queria
Então via-se no desespero
Por julgamentos em cruel exagero
E do seu único amor que acabou
Johnny então pensou
Em enfim ter um caráter duvidoso
Ser um tanto presunçoso
E ser assim, Edward não podia
Então ser Jack Sparrow era o que Johnny queria
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Eu que tinha um nome diferente já quis ser Luísa


E ainda que eu pudesse ser uma mulher de Chico, talvez fosse a boba. Mulher singela, desarmada. Desenhada por inocência, ressaltada por esperança. Sim, esperança. Por que depois de um primeiro amor fracassado, só a dita cuja para dar disposição para um segundo. E antes que houvesse um terceiro fracasso, finalmente o meu coração cessaria em dizer não e na paixão se entregaria n’um sim. Teresinha é corajosa, mas por detrás das costelas, cicatrizes de batalhas. E talvez, outrora, eu não quisesse isso. Queria ser limpa, clara, virgem na pele e na alma. Mas e então só depois de ser boa, talvez quisesse ser o fútil. Vestir-me com o manto da banalidade. Ser corriqueira das riquezas, fruto da exuberância, a obra esculpida em carrara do trivial. Preterir dos sentimentos genuínos, mas abraçar os sentimentos que sujam qualquer espírito. Talvez eu quisesse ser assim material. Talvez quisesse ser a Ana “das marcas, das macas, das vacas, das pratas”. Ser a Ana de Amsterdam. E meu desejo até se realizaria se em meu bolso não houvesse a ausência do tostão. Logo, desejei ser outra mulher. Quiçá, o escarro, mulher do menosprezo. A esquecida, rejeitada. Ser Ligia e não despertar amores, pudores, valores e todos os outros e quais queres ores. Mas também, não me sentira abaixo do solo por isso. Também mentiria, seria impiedosa. Lecionaria as mentiras de amor. Entretanto sorrir infiel é algo difícil para que eu faça. Então cessei. Cessei de Ligia. Cessei de mim. Cessei de todas. Todas até pensar em Luísa. Ah! Luísa...
Doce Luísa, Chico te esculpe entre letras. E finalmente eu quis ser alguém. Alguém que n’um sorriso ilumine até o mais negro dos cantos. Fazer da fluidez da minh’alma o abrigo de um ser. Ter os olhos coloridos de frutas doces, suculentas. E o chocolate branco que é da pele, precipitasse calor na mais gélida das almas. Quis ser o riso; a paixão; ser a mulher banhada com as melhores das essências, as que correm por dentro d’um peito, purifica e regozija até nas mais duras batalhas da vida. Desejei ser Luíza e fazer dos meus braços, abrigo do desamparado. Cativar o mais incrédulo dos corações. Ser uma mulher por quem alguém se levanta da cama todas as manhãs e em seguida sorri. Sorri só por sorrir, sorri só por amar. Fazer com que alguém por mim se “esqueça no tempo e no espaço, quase levite, faça sonhos de crepon”.
“Faço a lua
Faço a brisa
Pra Luisa dormir em paz”

Foi só então depois de ler teus versos, Chico, que me dei conta que de Luísa eu não tinha nada, não poderia ser. Minh'alma estava mais para Tereza Tristeza.
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A vida de um gato



Nasci assim sem rumo
sem dinheiro, sem cautela
vendo uma garota n'um desaprumo
só se sentia pena dela

E eu não tinha importância
até cativá-la no desamparo
recebendo no seu sorriso a abundância
da importância do meu amparo

Seu nome era Sara
uma tremenda magricela
no seu nome havia cura
mas não curava a alma dela

Foi então que eu percebi
o calor do seu abraço
e então logo me vi
n'um coração de embaraço

Seu espírito era doente
e o meu não se tinha defeito
mas o ingrato inconsciente
mostrou-me logo o imperfeito

Eu era o seu anjo
era o que ela me dizia
poderia até ser o arcanjo
mas só dela eu cuidaria

A menina era vestida
com as melhores das essências
e comigo era perdida
a presença das ausências

Enquanto cuidava da guria
enxerguei-me enganado
abrigá-la era o que eu queria
mas foi por ela que fui abrigado

Tirou-me das ruas o nome de "meu lar"
deu-me morada em seu singelo casarão
e se propôs sem limites me amar
Tornando-se "meu lar" o nome do seu coração

Dizem que gato é apenas um animal
que não consegue nem amar
mas me pergunte algum ser banal
se longe dela eu conseguia ficar

A vida que era boa
logo se tornou perfeita
depois que dessa pessoa
eu fiz a minha eleita

E ela costumava dizer
"Descansa nos meus braços,
as estações podem até ceder,
mas sempre serão seus em todos os espaços"

Um dia a estação decide ceder:
a garota teve que se mudar
e sem mim teria que viver
mas nunca deixando de me amar

Chorava
Esperneava
E então não mais se encontrava
a felicidade que antes a rodeava

Mas foi

Foi odiando-se
mais antes que após
perguntando-se
o que então seria de nós

Ela viveu
viveu mal, viveu ruim
já o seu anjo morreu
e de consolo ainda chora por mim

E já que eu não posso escrever
nem sequer falar
então ela está a lhe contar
sobre o gato que a fez querer viver
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Se são rosas, florescerão


Lourdes vem se aproximando, ali entre as crianças correndo e os idosos caminhando, devagarzinho em passos descompassados. Via-se nervosismo em cada pouso dos seus pés sobre o chão. A minha agitação só aumentava. Antes de sair de casa, tive a ideia de lhe trazer algo. Durante sete minutos fiquei pensando o quão careta eu pareceria. Finalmente, decidi que seria careta, mas eu o faria. Depois, durante nove minutos fiquei pensando no que levar. O que não foi fácil, pois eu só tinha vinte e cinco reais. No caminho, dei-me conta de que mulheres se emocionam com flores e quem sabe se eu levar algumas para Lourdes, ela se emocione tanto que poderíamos até trepar. Tudo bem, nada de sonhos em demasia. Mas não deveria ser doces, sei que ela gosta, mas se não parar de se empanturrar de açúcar não passará pelas portas. Finalmente ela chega. Parecia vir em câmera lenta. Talvez fosse meu inconsciente ajudando a preparar-me melhor para o choque de encontrá-la após o nosso beijo de ontem à tarde. Ela traja a paixão, o desejo. Um vestido vermelho de decote pudico, ingênuo. Ah! Ela sabe o que o vermelho me desperta... Talvez ela não seja tão santa assim. Não importa. É melhor que eu pare de pensar nestas coisas antes que ela perceba. Lourdes sorri. Apenas sorri. Será que ela não gostou? São rosas vermelhas e custaram todo os vinte e cinco reais que eu tinha. Ah! Lourdes, doce Lourdes, como você está linda. Mas bem que podia dizer alguma mísera palavra, não é? Bem na hora! Por nada, menina Lourdes, foi um prazer trazer-lhe estas flores. Agora, entre suas mãos, o meu rosto. Olhava-me séria o fundo dos olhos, olhar resoluto. Nenhuma palavra. Meu Deus! Que sensação. O silêncio está pesado de alusões. Que tal falarmos sobre o casamento real? Deixa para lá. Está bem, eu sentarei com você nesta grama. Deitar do seu lado? Tudo bem, um terno abraço. A praça estava cheia de pessoas e o barulho só matava a luz do sol. A temperatura do ambiente está boa. O ambiente? É preciso que eu encontre imediatamente um assunto para conversar. Um super assunto, que não acabe nunca. Digo que a amo agora? Eu ensaiei bem antes de estar aqui. "Lourdes, ontem foi inexplicável. Senti coisas que nunca senti antes. Tudo num beijo só. Acho que estou apaixonado. Não... (Preciso parecer bobinho e confuso, assim é mais fácil) Eu tenho certeza! Aceita ser só minha, Lourdes?". Caramba! Foi mais difícil que eu imaginei. Antes, você se sente o super-homem, protegido pelas pessoas que lhe rodeiam. Seguro de si e descontraído. Mas numa hora dessas, Ah, mas em uma hora dessas você se sente pior que o verme. Principalmente por que treme. Quê, Lourdes? Eu quase me mato para falar isto e é o que me fala?

As flores não são lá tanta coisa. Ele podia ter feito melhor. Quiçá, orquídeas. Tulipas vermelhas significam amor eterno, meu tesouro. Sua cabeçinha linda pode ir mais além que simples rosas, sei disto. Como se eu não lesse seus pensamentos daqui, heim? Olhe os meus olhos. Veja-me além do vestido pintado pela cor do pecado, veja-me atrás dos seus olhos. Depois de ontem à tarde, quando selamos nosso amor com aquele beijo, percebi o quão bobo você é. Não consegue, agora, dizer uma sequer palavra. O pior? É que também não consigo cuspir uma sequer palavra. Todas presas à entrada do esôfago, na ponta da língua, guardadas e trancadas em minha bolsa. Que tal se nós falarmos sobre o casamento real? Deixa para lá. Talvez ele me ache romântica ou fútil demais por tocar neste assunto. Estaria certo no quesito fútil. É melhor que eu segure o seu rosto e apenas olhe no fundo dos seus doces olhos. Não precisaremos de palavras, o silêncio nos faria duas almas num só corpo. Antes que eu me apaixonasse perdidamente pelo que eu enxergaria o olhando na alma, finalmente falei: "Venha cá, deita ao meu lado sobre esta grama". Ah! Noah, você realmente sabe o quanto preciso deste seu abraço? É como um elixir para minha vida esvaecida. Noah, eu também o amo, mas ainda não sei o que lhe dizer. Perdoe-me a falta de resposta. Se eu fosse um espelho, você veria como me olha apaixonado. Isto é o que me assusta, querido. Por favor, não me olhe com este olhar atônito e preocupado. Espero que não se importe agora, que me entenda depois. Mas a única coisa que posso lhe dizer é: "Vamos contar histórias?". Eu sei, meu amor, não é fácil começar a contar histórias nesta situação, com sua cabecinha no meu leito, seu ar embaraçado.
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Mais uma vez Éfe


Pensei em chorar. Sentir os sentimentos misturarem-se dentro de mim e inundarem meu corpo. Transbordar a dor por meus olhos e senti-la rasgar a pele, desfalecida, sem brilho, enquanto percorre sobre meu rosto de encontro ao chão. Extravasar um pouco a alma. Limpá-la com lágrimas de sofrimento. E então, pensei em Éfe. Lembrei do clamar do meu coração por um abraço seu, o ímpeto domado. Fácil, agora também, lembrar do sucumbir da alma numa despedida sua. De quão solitária é a sensação de redescobrir, mais uma vez, que o maior pedaço de mim é um pedaço seu. A alma estremece, os músculos parecem morrer e meu corpo fica esquecido em meio à vida desfalecida sem você. Lembro do brilho que leva consigo toda vez que vai embora, numa promessa vazia de voltar no outro dia; do silêncio entre nós que sepulta a luz das estrelas no céu. E lembrando, lembrando, vejo-me sentindo a falta do seu cheiro e acordo. Acordo. Posso finalmente sentir o meu cheiro, que não é bom, pois desde que você se foi, na sexta-feira, não tomo banho. O relógio marca meia-noite do domingo e que, agora, eu tome um banho frio. Que a água que sái do chuveiro lave o meu corpo e que as lágrimas lavem a minh'alma fatigada.
Depois, pensei em odiar. Sentir o sangue ferver, a mente espairecer num grito de raiva. Usar toda a raiva que existe dentro de mim, por que amanhã ninguém sabe. Mas odiar foi o mais fácil. Mais uma vez Éfe. Lembro que seu olhar diz-se de qualquer coisa cuja transparência nada perturba. Dos seus pensamentos já vistos de longe, pode vê-se as trancas a sete chaves, sete palmos abaixo do limbo. A mania de possuir no olhar o sadismo quando ressalta, com sua língua, os traços que me desenha a boca. O modo como me faz transparente e lê-me por inteira, cada traço, cada pensamento, cada característica. Lembro de quando não está por perto e faz-me pedir a um Deus para que Ele o proteja quando eu não posso. O modo como, você mesmo, corta o cabelo e o fato de não me ligar. E o que mais me faz sentir ódio, é por nem por um segundo conseguir odiá-lo. E já que eu não odeio, que eu ame.
Pensei, finalmente, em amar. Mas amar foi o mais difícil, por que um coração já tantas vezes magoado aprende a ser turrão, teimoso, incrédulo. Mais uma vez, Éfe. Pensei então, quando, outrora, vi o sol em seus cabelos encaracolados e jurei estar no céu, ali diante de um anjo usando calça jeans. Lembrei de o que acontece ao me ter em seus lábios, isto é como ser beijada pelos Deuses. Também, lembrei, de que você não é prepotente; é difícil você dizer que alguém não tem razão, apesar de sempre estar certo. Do jeito que enfrenta a vida com bom humor e quando está triste, não tenta se vingar sobre os outros como em geral se faz quando se está deste jeito. Lembro, enfim, da minha vida se tornando mais bonita com você e do quanto gosto de acariciá-lo em público, para que todos possam ver o amor emanando de nossos olhos. De que o tempo, com você, se torna algo que se pode parar, cortar em mil pedaços perfeitos. Em mil instantes para lembrar, para contar, para guardar entre você e eu como uma espécie de garantia. Agora que tudo se acabou. E então, pensei em sentir tudo que eu já senti estando com você, pensando assim, em ser feliz de novo. E então, mas e então, mais uma vez Éfe.
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Allie tenta se apaixonar, mas acaba dormindo



Gian. Gian. Gian. Gian. Gian. Gian. Dito deste jeito não inspira nada. É um nome francês? Sei lá! Mas quem sabe se eu usar um pouco do meu je t'ador aqui e um l'amour ali fique mais interessante? Tendências políticas que se opunham à ditadura militar na cinematografia (Gian 56). A amizade de um exilado e um analfabeto com a mais doce das paixões em comum: a poesia! (O gian e o poeta). Ah! É nome comercial (Gian autopeças). Nome de dupla sertaneja (Gian e Giovani). Gian. Que maldita ideia é esta de chamar alguém de Gian? Dinheiro ele não tem muito. Trabalhador, esforçado; no fim do dia costuma dizer o quanto está cansado, mas só se lhe perguntarem. Não reclama de nada. Sempre agradece por estar tão cansado depois de dois turnos trabalhando, diz que aprendeu muita coisa. Não tem moto, a que costuma ir para lá e para cá é da empresa em que trabalha. Magro, magricelo, macérrimo, mas não osso puro, tem lá seus pequenos e quase desprezíveis músculos. Bonito? Nariz longo, olhos que mudam de cor, passando do mel para uma mistura de castanho claro com verde oliva dependendo da iluminação e do seu humor. Seus cabelos encaracolados, coisa dos Deuses. Petulantes. Em seus cachinhos, o brilho de mil estrelas. Nem parecem cabelos... Como será careca? Acho que morre antes. Ele fala bem dos próprios sentimentos, do tipo que tem boa laia e faz a freira querer se converter depois de sete ou cinco palavras. Ele será um herói (Gian ou Confúcio, dá no mesmo) que vence uma guerra sem um único derramar de sangue (Espera aí! Confúcio é grandioso demais, quase um Santo). Ou músico (É!), Gian será um músico, do tipo John Lennon (Realmente! Seu modo de pensar sobre o mundo, as pessoas e as religiões é um monólogo que se dá vontade de escutar por horas; é delicioso, parece uma doce melodia soando em meus ouvidos). John Lennon. John Lennon. John Lennon. Gian... Acho que agora estou apaixonada. Puxa, esta noite pousei a mente sobre o nível especulativo. Daqui a pouco me pego contando a mim mesma a história de minha vida, como se eu fosse um desconhecido ouvinte, como se eu já não a soubesse de cabo a rabo. Minha tão curta vida. Mas então é isso! Gostaria de ter mais uma vida. Vida mais cheia, mais corrida, biográfica. Mas o quê, por exemplo? Um desastre na estrada, um atropelamento milagroso, um recorde no livro dos recordes, uma rebelião, uma volta ao mundo em oitenta dias, três divórcios, sendo duas vezes viúva, um choque, dois desmaios. Três gatos, três filhos. Sabe?, algo para poder contar, lorotar um pouco, fazer história em meio de conversas com parentes, falar um pouco sobre o passado... Um futuro para ser criado. Se não consigo me apaixonar, que eu durma, e amanhã não terei olheiras e mau humor. Olheiras são motivos de perguntas das quais eu não quero ter que responder. Eu preciso dormir. Pensar, agora, não vai me levar a nada. Então vamos por ordem:

Maneira 1: Pensar em algo mui tranquilo. O sol pondo-se entre as nuvens negras e o horizonte. Consigo, leva os ventos do verão que murmuram o que mais quero ouvir. É como se soubessem exatamente o que me toma o coração e em sussurros manipulassem a minha mente. Podiam ser ora mocinhos, ora vilões, depende do que eu estivesse sentindo. Lentamente, assisto o sol desaparecer e assim vejo a noite, esta persona dramática, chegando de mansinho. Logo, as estrelas estariam ali com a magia que só elas têm de enfeitar o céu negro e, enfeitando também, o fundo da minha alma.

Maneira 2: Pensar em algo heroico, revolucionário. Estaria eu, então, comandando um batalhão de meninos feios e inteligentes. Todos dispostos a romper qualquer obstáculo e a gritar por uma razão - até mesmo quando as suas gargantas insistirem em desistir. Talvez razão anarquista mesmo sendo em vão. As pessoas são ruins demais para agirem corretamente só por seu ideal ser assim, mas existe quem faça e aí vamos nós.

Maneira 3 (Terceira e última esperança para um sono doce): Pensar em algo afável. Gian. Gian (Ah! Seu nome de sonoridade francesa dito em voz alta é algo pelo qual você quer amar) tomando-me em seus braços, seu cheiro sereno sereno acalmando até os mais tensos dos meus músculos e pensamentos. Oferecendo-me as rosas que me trouxe e iluminando minha alma com seu sorriso. Fazendo-me enfim perguntar: por que não?
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Para encontrar tua alma perdida


Esquece-te das retinas fatigadas
Do amor, esta persona non grata, tão venerado
Das palavras doces n'um sorriso infiel dissipadas
E de ter em tempos de paixão, o coração abrasado

Esquece-te de que nunca estás nos teus pensamentos absorto
Das feridas que mostram o oco atrás da costela
Das batidas do coração, o som quase morto
E em todo o respirar um salpico de cautela

Esquece-te um pouco da boemia
por que até que viver assim é 'cadinho gostoso
mas só se te usas com sabedoria
E - principalmente - de possuir nos olhos este ar piedoso
- pois francamente, isso já não me sái da mente -

Esquece-te das brigas, esta sensação de chamas
que por elas os teus olhos doíam molhados
E que também tu proclamas
pois sobre teu corpo, os teus medos estão apoiados

Esquece-te de tudo que foi ruim
Este não é o jeito que deve acabar
Sei que não é tão fácil assim
mas este é o jeito que se deve começar
Deixe-te esquecer de tudo
só não apenas esqueça de mim
pois como uma alma curvada estou aqui para te sustentar
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Escute aqui



Escute aqui, se é correto
enxergar o amor promíscuo emanando dos meus olhos
e regozijar-se por nele haver o sadismo mais original que se conceba,
mas isto já é o nome que se dá a fusão entre amor e ódio?
Todavia, explique-me o porquê de não poder olhar-te assim
como quem não acredita no para sempre
mas compõe no olhar uma eternidade
É tão mal assim?

Escute aqui, se é correto
viver em guerras mesmo em tempos de amabilidades?
Usando armas afiadas; as palavras tingidas do meu sangue, salpicadas
com o teu veneno, deixando-me desolada num próprio vale de lágrimas
Todavia, explique-me, pois sou pequena demais para entender
tamanha crueldade de dar razão as pessoas que dizem que o amor é o nome
que se dá aquilo que nos corrói por dentro até sucumbir o último suspiro
de quem ousa sentí-lo

Pois bem, escute aqui, se é correto
fazer-me concordar com más línguas e pensar
que o tempo é uma fábrica que resvala sobre nossas vidas
usando das nossas tristezas a sua matéria prima; fazendo dos nossos sofrimentos papéis
de puros, mas maliciosos frutos de seus investimentos?
Todavia, explique-me por que então as nossas vidas não valem lá grande coisa,
que duram tão pouco quanto um amor ou uma vida de rosa retirada da sua matriz , como preferir,
és tu quem costumas comparar sentimentos assim ao Deus dará
sem nem te importar se terei de rezar para um "Papai-do-céu" todas as noites
para quiçá possuir forças para me recompor,
como quem renasce a alma desfalecida das próprias cinzas;
Tem que deixar assim mesmo nas mãos de um Deus?

Escute aqui, se é correto
fazer de mim uma Fenix, então faças, mas só para que eu possa
voar por que a verdade é que só vale a pena se for do teu lado
ou só para ficar ali... te olhando de longinho, fitando teus passos estranhos;
como se fazendo isto, meu coração estivesse clamando para se dispersar,
pois ele é um fraco e não é de aguentar tanta beleza
Todavia, explique-me o porquê de deixar-te perder esta
tua menina-passarinho
deixando que apenas o destino, tão incrédulo por você, nos una

Escute aqui, se é correto
amar, por que então não o fazemos? Ultrapassar os teus limites, teus medos, teus traumas;
amar só por amar
voltar a repousar em teu peito e olhar-te com os extremos dos olhos, de baixo para cima
fazendo das batidas do teu coração, rápidas como as de quem está amando, os únicos sons
do ambiente e delas fazer o meu silêncio

Escute aqui, se é correto
deixar-nos assim sem dizermos nada,
fingindo que nada nunca aconteceu;
esperando que aos poucos eu junte os pedaços da nossa história e de mim,
coloque tudo num copo e misture com gelo e uma maldita vodca para que possamos beber
quando a vida decidir nos juntar
Todavia, disseram-me!
Disseram-me que tu ainda me amavas;
era o teu segredo, eu deveria contar para alguém? Contar para ti, lembrar-te
de como é sentir duas almas num corpo só
Que mal há nisto?
Todavia, disseram-me que tu ainda me amavas
foi alguém que me disse
Seria possível então?
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Love, your name is Johnny!




Dear Johnny,

How are you? I'm fine. I'm better now that I'm writing to you. You know, a lot has changed since the last time I wrote to you. After so long, I needed to write to you. I had to tell you a secret. Ready? Here goes... Sometimes I catch myself watching you. Behind my eyes, right there in your heart. Where anyone can't touch and few can't reach. Sometimes I find myself feeling you too. More than any other real person. I dunno... Just... I love all of you. It's silly, I know, but it is pure. I had to tell you that. Your new movie is coming... Soon you'll be in every mouth. Be prepared, my angel, for any kind of comment. Ah! What a fool again, I know you'll be prepared. Sweet, somehow, I feel obliged to be reassuring you, even if you do not see it. I'm very excited to see you in another work of art. You'll be beautiful, I'm sure. Take care of yourself ok? I feel you, more than ever...

With all the love inside of me, your little girl.
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