Ainda tinha a capacidade de apresentar a janelinha entre os genuínos lábios. Vê-la sorrir era encantador, era como ter as portas da alma abertas para o sol. Brincava na rua, gritava, esperneava. Não me irritava os ouvidos. Ela podia. A garota podia tudo. Seu sorriso, um candelabro. Ali não se apagava nunca as chamas da pureza. Nem mesmo quando suas lágrimas ousavam molhá-las. “O que houve, minha pequena?”, perguntei um dia quando a menina chorava e derretia a minha alma.
- Meu gatinho morreu e já está virando noite. Eu sinto medo do escuro, moça. Mas com o meu gatinho, Pipoca, eu não sentia. Estava segura. Ele espantava os monstros.
- Mas, meu anjo, Pipoca ainda está com você.
- Como?
- Quando sentir medo vá até a janela. Sabe aqueles pontinhos brilhantes que vemos no céu?
- Sim. Minha mãezinha disse que são minha vovó, meu vô, minha dindinha, montão de gente...
- Sério? Que bom que já sabe disso. Seu Pipoca, agora, também está ali. Do céu cuidará de você. E sempre iluminará suas noites. Nenhum monstro ousará ficar perto de você.
- Você jura, moça?
- Juro. – digo beijando o entrelaço de meus dedos.
Mesmo triste, a menina não deixava de me iluminar, seu sorriso não se apagava. As flores não se entristeciam, não murchavam. O inverno parecia não chegar, o seco do outono também. Era sempre verão. Sempre aquecedor. Os sonhos se faziam infinitos. A menininha tinha a imagem leve, livre. Tinha uma alma de peito aberto. Esbanjava a graça que lhe era dada. P’ra minha voz, um alento. Tinha o espírito puro, de saber dar e receber o amor verdadeiro. Tinha a alma da raposa, amiga do Pequeno Príncipe, e jurava ser eternamente responsável por quem cativava. Devia ter menos de um metro – exagero meu! Tinha um amigo imaginário, um primeiro amor e dizia-se enamorada da dança. A garota tinha um ar de menina-mulher. Nas semelhanças de nossos traços, encontrei as diferenças. Nas suas, poucas já derramadas, lágrimas encontro algo de mim. A garota tinha no peito um pedaço meu. Mas tinha um tal de pintalainhasólamingola que só ela tinha. Um bem-me-quer-mal-me-quer metricamente calculado para acabar bem só dela.
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